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sexta-feira, 17 de outubro de 2014

A última hora da noite

O que fazer agora
que a hora da noite,
derradeira e angustiante,
comprime o tempo que falta?
 
Semana passada eu ainda corria
brincando nas trincheiras do quintal,
entre frutas, flores, insetos e tanto mais,
que não mais lutava contra o sono.
 
Ontem, eu fui atrás de muita coisa,
de livros, exercícios, amigos, risos
indisciplinados, largos, cientes...
E caí no início do quarteirão.
 
Em casa, a mobília agora não guarda nada,
já as caixas aguardam o carregamento.
Os animais estão dormindo tranquilos
com as janelas e portas abertas.
 
A manhã que se anuncia, mesmo tímida,
num misto de cansaço, ansiedade e alegria,
abre-se no cantar do galo e dos passarinhos
perguntando o que tem para amanhã.

Luiz Augusto Rocha, neste fim de 17 de outubro.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Poema para a realidade

É que me falta um poema
que não seja muito vago,
nem faça tantos floreios.
Rimas, não vejo o porquê.
 
Eu quero saber do chão,
das chuvas, quando é que vêm.
Terra pronta para a safra,
é colheita que liberta.
 
Colhe o fruto do trabalho,
trabalha de sol a sol,
esquece o tempo que passa,
que liberdade é palavra!
 
Cheira essa terra em que pisas,
bebe essa água que a ti chega,
que só te basta o trabalho
para vislumbrar o livre.
 
Não te iludas com promessas,
sente, sente a ventania
que traz consigo a mudança,
é tempo de viração.
 
A chuva, essa sim, liberta,
livra de vidas mesquinhas,
presas num tempo parado
de trabalho e mais trabalho.
 
Vês o miúdo, o prosaico,
o sol, vento, a chuva, terra?
É tudo matéria-prima
para esse tempo amarrado.
 
O trabalho do poeta
que cultiva a liberdade,
além de vagos floreios,
é livrar-se das amarras.
 
Das prisões cotidianas
e pretensas liberdades:
ao contrário disso tudo,
quero meu grande poema!

Luiz Augusto Rocha

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Poeminha persistente

A cada mil-réis,
um tapa, um assopro...
Só mais um revés.

Luiz Augusto Rocha

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Poema errado

Por que não deu certo?
As migalhas de pão na toalha,
os móveis da cozinha,
geladeira, prateleira, pratos,
os pratos estão sujos,
as migalhas de pão
e uma formiga perdida na mesa.

Por que não deu certo?
Porque você é um porre.

Luiz Augusto Rocha

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Uma lição russa

Em noites brancas, de lua alta,
escondemos no subsolo
nossas piores memórias.

Elas são um amontoado de recordações
de uma casa repleta de cadáveres,
demônios e pequenos heróis.

Somos nós os humilhados, os ofendidos:
idiotas tuberculosos e epiléticos,
jogadores criminosos castigados.

Desajustados punidos severamente
por uma moralidade forjada
nas mãos de um grande inquisidor.

Essa gente pobre, de coração fraco
escreve uma história suja
em que ladrões são honestos.

Só que o sonho de um homem ridículo
nunca foi, nem nunca será,
o de ser uma gentil criatura.

Luiz Augusto Rocha

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Poeminha convite

Mãos enlaçadas.
Que música é esta?
Vamos dançar!

Luiz Augusto Rocha

terça-feira, 27 de maio de 2014

O labirinto

Soltei meus cachorros num labirinto.
Cada um deles tomou um rumo.
Alguns deles se encontraram,
outros mantiveram-se sozinhos.

Conforme passava o tempo,
mais e mais ao longe eu os ouvia,
eram os ecos de latidos caçadores,
reflexos de seus próprios medos.

O labirinto parecia se expandir,
embora soubesse de sua finitude.
Meus cães, pobres, apenas latiam...
Enquanto, de fato, tudo se extinguia.

Luiz Augusto Rocha

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Gentes

Tem gente que é um pote até aqui de mágoa.
Tem gente que é uma ânfora de mistério.
Tem gente que é um vaso transbordando alegria.
Tem gente que é um copo meio vazio de tristeza
e meio cheio de plena alegria.

Todas as pessoas, e eu me incluo,
são um recipiente para a angústia,
que fica à espreita
doida pra trincar a gente.

Luiz Augusto Rocha